quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Manoel de Barros

4.
Escrevo o idioleto manoelês archaico1 (Idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e as moscas). Preciso de atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável do que o solene. (Para limpar das palavras alguma solenidade - uso bosta.) Sou muito higiênico. E pois. O que ponho de cerebral nos meus escritos é apenas uma vigilância pra não cair na tentação de me achar menos tolo que os outros. Sou bem conceituado para parvo. Disso forneço certidão.
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1 Falar em archaico: aprecio uma desviação ortográfica para o archaico.
Estâmago por estômago. Celeusma por celeuma. seja este um gosto que
vem de detrás. Das minhas memórias fósseis. Ouvir estâmago produz
uma ressonância atávica dentro de mim. Coisa que sonha de retravés.
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8.
Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.


Livro Sobre Nada

2a parte - Desejar ser

(Não consegui reproduzir a diagramação original, mas o que importa é a sapocência de Manoel)

Um comentário:

Leila Oli disse...

A-do-ro Manoel de Barros!!!!!!!!!!!!Muito bom, Lu!
bjs