domingo, 16 de novembro de 2008

Crônica de Zuenir Ventura sobre as amendoeiras

«Rubem Braga, que fez da amendoeira uma de suas musas inspiradoras, dizia que elas são "árvores desentoadas". Nunca estão de acordo entre si. Não se vestem nem se despem por igual. A da esquina ainda está frondosa, cheia de viço, mas a sua vizinha parece uma decoração de Copa do Mundo: há tantas folhas verdes quanto amarelas. De cima, posso jurar que alguém, ou ela mesma, as arrumou assim, pregando nos galhos folha por folha. (...)Um dia liguei para o Velho Braga perguntando como isso acontecia. Ele não usava as plantas apenas para fazer crónicas poéticas. Era amante e também um grande conhecedor de sua alma e humores. (...) A resposta foi que as amendoeiras eram como a gente: cada uma envelhecia com a idade, conforme o dia de nascimento - com a vantagem, bem entendido, de que a cada ano fenecem, mas também renascem. A partir de então continuo olhando para as amendoeiras da rua com carinho, mas também com inveja. Fiquei imaginando como seria chegar todo o ano a junho, mês em que nasci, um lixo: cabelo caindo, pele enrugada, gordura na cintura, tudo despencando. Como hoje. Aí me refugiaria em casa e hibernaria, aguardando a muda. Um ano depois, que fosse em agosto, ou setembro, faria minha rentrée triunfal, novinho em folha. (...)Se pudesse inscrever um sonho no rascunho do genoma, para constar do texto final, não seria o da imortalidade. Nada de estender a vida, como muitos desejam. Se eu pudesse escolher, eu preferiria esticar a juventude.»Zuenir Ventura, Melhores crônicas (2004)
Publicada por Maria Carvalho em 10.2.08

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