terça-feira, 2 de setembro de 2008

Sensibilidade inteligentede Clarice Lispector

Pessoas que às vezes querem me elogiar chamam- me de inteligente. E ficam surpreendidas quando digo que ser inteligente não é meu ponto forte e que sou tão inteligente quanto qualquer pessoa. Pensam, então, inclusive que sou modesta.
É claro que tenho alguma inteligência: meus estudos o provaram, e várias situações das quais se sai por meio da inteligência também provaram. Além de que posso, como muitos, ler e entender alguns textos considerados difíceis.
Mas muitas vezes a minha chamada inteligência é tão pouca como se eu tivesse a mente cega. As pessoas que falam da minha inteligência estão na verdade confundindo inteligência com o que chamarei agora de sensibilidade inteligente. Esta sim, várias vezes tive ou tenho.
E, apesar de admirar a inteligência pura, acho mais importante, para viver e entender os outros, essa sensibilidade inteligente. Inteligentes são quase que a maioria das pessoas que conheço. E sensíveis também, capazes de sentir e de se comover. O que, suponho, eu uso quando escrevo, e nas minhas relações com amigos, é esse tipo de sensibilidade. Uso- a mesmo em ligeiros contatos com pessoas, cuja atmosfera tantas vezes capto imediatamente.
Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom. E, como um dom, pode ser abafado pela falta de uso ou aperfeiçoar- se com o uso. Tenho uma amiga, por exemplo, que além de inteligente, tem o dom da sensibilidade inteligente, e, por profissão, usa constantemente esse dom. O resultado então é que ela tem o que eu chamaria de coração inteligente em tão alto grau que a guia e guia os outros como verdadeiro radar.

Referência Bibliográfica
Lispector, Clarice, (1925- 1977) – A descoberta do mundo – Crônica: Sensibilidade inteligente (1968); Editora Nova Fronteira, 1984

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